quinta-feira, 17 de junho de 2010

Em tempos de felicidade...

... tudo é tão lindo, o céu fica mais azul, os pássaros pousam sobre as janelas e nos enfeitiçam com os seus belos cantos, o ar fica mais puro, o céu parece ficar mais estrelado, a lua ilumina mais a Terra. É quando colocamos a cabeça no travesseiro, para dormir, e ficamos horas olhando fixo para o teto, pensando em como é bom não ter nada para pensar, até perceber que não consegue dormir, que você não quer dormir, desejando que o tempo congele naquele instante. É se dar conta de que está com um discreto sorriso de contentamento no rosto, por motivo algum. Ver o mundo colorido, enxergá-lo sob perspectivas mais otimistas. Sentir-se membro do universo, saber que é humano, fisíco, palpável, com idéias e pensamentos, o que faz de si um ser dotado de sabedoria e inteligência, independente da sua sua escolaridade, porque você vive, presencia, você simplesmente É. é Ter perspicácia a ponto de errar e saber que certas coisas são contornáveis. Aliás, é essa sagacidade que nos leva a esse momento de transe, de visão utópica.
Mas... Até quando isso é bom?
E quando os dedos dos pés tocam levemente o chão, nos despertando desse sonho? Os problemas reaparecem, você se sente diminuído, que não acrescenta em nada e sente que está no mundo a passeio? Oh! mas convenhamos! Ser realista não é nada mau! Há quem se leve a sério demais. A aflição, a solidão e a tristeza também constituem um homem. Também faz com que sejamos reais e seres do mundo. Uma lágrima de tristeza está para um sorriso de felicidade. É Emoção. O sentimento mais controverso da natureza humana. A vida gira em torno dessa dualidade e - por que não - dessa nuance existente entre os que se opõem: alegria e tristeza, amor e ódio, consolação e desolação, preto e branco, pop e o rock, etc. É existir e não ter medo de Sentir. Se permitir e não se enganar. Acreditar nos seus ideais e ter noção dos obstáculos e restrições; ter ilusão e saber da improbabilidade. Sentir-se vazio em um ambiente intelectualmente abundante. Saber que às vezes não poderá fazer nada, porque para a maioria das coisas somos inúteis. Ver e não poder fazer, ter e não poder dar. Tudo nos legitima, nos faz ser o que somos.
Essa busca incessante das pessoas de se firmarem como algo ou alguém, de se personificarem, criam estereótipos, seres rasos, superficiais. É preciso dar vazão, se expôr, se isolar e se libertar.
É saber ser, saber refletir, saber existir, saber deixar fluir. Talvez o verbo Saber seja a grande questão. É só Saber cultivá-lo.

sábado, 12 de junho de 2010

O que diria Platão?

Vou falar baixinho porque é segredo. Essa semana esbarrei com ele pelo corredor da faculdade. Meu Deus, desculpe a heresia em invocá-lo nesse momento, mas como ele é sensual! Meu corpo todo gela quando os nossos olhares se cruzam e, ao mesmo tempo, eu me sinto como um vulcão entrando em erupção. Ele iluminou o meu dia, tirou o tom sépia que embaçava a visão, colocou nuvens sob os meus pés, para que eu me sentisse no céu. Pobre coração que não é nada sem ele. Só bate forte quando ele está por perto.
Quando ele passa, eu desejo que o seu perfume fique impregnado na minha roupa, para que eu possa sentir aquele aroma doce durante todo o meu dia. Quando ele passa, tudo silencia e a única coisa que ouço é a minha respiração ofegante, reflexo do meu desejo de ser notada. Quando ele passa, aquele instante se torna único e eu tiro uma foto com os olhos, para que eu não esqueça o tom do jeans que ele estava usando, as listras verticais da sua camisa social e a armação retangular dos seus óculos de grau.
Suas mechas brancas contradizem com seu belo corte jovial e seu alegre jeito de andar pouco lembra aquele homem reservado e calado, sempre isolado pelos cantos. A sua mão é inquieta, seja coçando o cabelo, seja batendo os dedos na parede enquanto caminha. Ele é observador, embora muitas vezes se encontre com olhos fixos em alguma coisa. Esse jeito incoerente dele de ser, me deixa ainda mais instigada. Ele é um mistério, como a existência de Deus, como a cura da AIDS, como a ida do homem à Lua. Ele é um pesquisador de Artes e eu sou pesquisadora do seu Ser. Não quero dinheiro por tê-lo como objeto de estudo, almejo apenas um olhar, que desencadeará ainda mais material e questionamentos para a minha tese ultra secreta, escrita e elaborada todas as noites, na cama, de olhos fechados, antes do meu sono inimigo tirar a sua imagem da minha mente insana, louca de paixão.
Quando acordo, sei que um novo dia insosso me espera. Meu corpo se enche de esperança quando me pergunto:

- Será que hoje ele estará pela faculdade?

domingo, 6 de junho de 2010

Crônica de uma vida sem sentido.

Ainda era madrugada quando despertou. Sonhou que ele dormia ao seu lado. Olhou o celular, nenhuma mensagem. Levantou-se com a idéia de ir ao bar mais próximo, colocou seu sobretudo por cima do seu pijama - uma camisa de malha e uma calça de moletom - e desceu os três fétidos andares do seu prédio, na esperança de encontrar algum movimento na gélida calada da noite. Andou alguns metros até perceber que não encontraria nada aberto pela redondeza, mas resolveu seguir em frente, uma vez acordada ela não voltaria a ter sono tão cedo e também não gostava das lembranças que sua lucidez trazia à tona, quando estava sozinha em seu apartamento. Caminhando pela rua, asfalto úmido e escorregadio, ela tentava endender a razão de ter chegado até ali. Como consegiu chegar ao fundo do poço? Fez sinal para o ônibus e ao sentar no banco, viu o reflexo do seu rosto fino e com olheiras na janela e pensou que já era hora de tomar um rumo na vida. Os outros dois passageiros ali também refletiam o seu estilo de vida, jogados ao nada, como se o destino deles estivesse nas mãos do motorista, que os levaria ao bar mais próximo ou ao fornecedor mais barato. Abriu a janela e acendeu o último cigarro do seu maço. O bar agora era uma necessidade, pois sem cigarro, sua vida faria menos sentido ainda. Quando a fumaça da primeira tragada chegou ao seu pulmão, ela sentiu uma espécie de conforto por não estar em uma situação pior, acompanhado de uma certa tristeza, por não estar em uma situação melhor.
Ela tinha a mania de encarar as coisas em diferentes distâncias fora do ônibus em movimento: queria que a vida passasse ligeiramente como uma árvore a alguns metros do ônibus, mas ao contrário disso, ela se arrastava como a chegada de um arranha céu do outro lado da cidade.
Avistou um movimento qualquer na porta de um bar, deu sinal de desceu do coletivo. Foi até o balcão e pediu uma dose de rum. Comprou outro maço de cigarros barato e após outras doses, sentiu um certo otimismo tomar conta de si. A essa hora não existia melhor ou pior, ela se sentia no centro do universo. Sentia-se invejada pelos os que estavam ali, embora ninguém tivesse notado a sua presença. Quando ficava embriagada tinha a falsa ilusão de que a vida sem ele seria melhor, embora relutasse em voltar para casa a todo instante. Sabia que ali, como em todas as suas noites tristes e solitárias, encontraria outro que ocultaria o vazio existente em seu coração, mas que a esperança e o calor trazidos por ele, partiriam do seu quarto, no fim da manhã. Como sempre. Na inocência da sua humildade, desejava apenas um novo amor. Não queria um bom emprego ou uma apartamento maior, sem infiltrações e rachaduras. Sua vida não estaria completa sem alguém ao seu lado. Seria útopico ter todas essas coisas, então ela desejava o que considerava mais difícil. Sua obstiniação pelos bens materiais só surgiria se ela estivesse afetivamente feliz, caso contrário, ela considerava a insalubridade como a melhor forma de viver e conviver com a solidão. A embriaguez lhe tirava essa perspectiva miserável mas, ao acordar, sempre na pior das ressacas, ela desejava não estar viva. Pensava que se existisse algum Deus, não entenderia a razão dele de tirar a vida de certas pessoas e a mantê-la naquela vida desprezível, decadente. Não acreditava que tinha uma missão ou que algo melhor estava guardado para ela.
Ela acorda, olha e sacode o desconhecido adormecido em sua cama, levanta, toma uma aspirina, abre a geladeira, pega uma lata de cerveja e acende um cigarro. O desconhecido levanta, coloca sua roupa, passa por ela e diz um "tchau" constrangido. Ela não responde. Da janela observa que o bar está abrindo e, ao lado, vê que o cigarro está acabando. Ela está pressupondo que a sua noite irá começar mais cedo dessa vez.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Luxúria.

Ela o amava por inteiro. Da sua voz até os seus grandes e estranhos olhos castanhos. Gostava da maneira como andava, de como ria, de como se comportava quando estava com raiva. Apreciava até os seus defeitos. Um dia então, ela se viu sem nada disso e por um bom tempo as lágrimas tomaram conta do seu rosto por noites e mais noites afora. Quando a ferida começou a cicatrizar, ela começou a se dar conta do que realmente sentia falta: ela gostava de quando tocava com seus dedos quentes o seu corpo frio, do seu comportamento devasso, da sua respiração ofegante, as sacanagens sussurradas, da libertinagem entre quatro paredes. Gostava da dramaticidade do ato, da sua performance, da sua entrega. Ah! Ele era um artista! A cama era um palco ou uma tela em branco e ele estava sempre inspirado. Ali não havia Shakespeare ou Pollock. Ele era insuperável em sua arte. O suprassumo do prazer. Sua rigidez era inabalável e sua desenvoltura impecável. Curioso, explorava cada centímetro do frágil corpo dela e, a cada despedida, seu corpo implorava pela volta dele. Ela só queria estar com ele. Gostava de encará-lo de diversos ângulos. Ele ficava mais bonito visto de cima. Isso quando ela estava de olhos abertos. Gostava de espiá-lo nos momentos de transe, ali ela se sentia ainda mais apaixonada. Gostava de deixar o seu homem daquele jeito. Queria sugar toda a sua energia, para que ele não se sentisse atraído por mais ninguém, mas esse feito era impossível, já que seu vigor não tinha fim. Era viril como um Deus Grego, apesar da sua aparência banal. Quando chegou ao fim, ela acreditava que faltava afeto. Agora ela sente que isso nunca existiu de fato, porém, o que manteve a paixão até o fim foram aqueles momentos carnais, que ela jamais teve com nenhum outro homem. Ela virou refém do seu próprio corpo, que o desejava cada dia mais. Ela repudiava a si mesma por pensar daquela forma, por vê-lo e por ser portar como um objeto. Mas no fundo ela não queria ser para ele outra coisa, porque ele gostava muito, mas muito do seu jeito despudorado. Sim, ele a salvou, porque ela era um caso negado e perdido, malfadada até a morte: nunca amou, nunca foi amada e, muito menos, se sentiu desejada. Também nunca havia desejado alguém com tanta fúria e paixão. Porém as paixões são efêmeras, mas o impulso da carne prevalece.
Cada encontro emerge a sensação que um precisa do outro, mesmo que por diferentes motivos. Assim será até que outro surja, preenchendo a lacuna que ainda não foi preenchida: a de fazer com que ela se sinta amada. Até que isso aconteça, ela continuará alimentando os seus instintos e realizando os seus desejos mais secretos com ele, que sequer sabe do turbilhão de emoções e sensações que causou - e ainda causa -, reflexos de atos tão imorais, porém triviais. Atos esses já conhecidos por ela, mas realizados de maneira tão obsoleta que beiravam o vulgar de tão mal executados. Ela descobriu, enfim, o prazer. O prazer da vida. O prazer de viver. Ao mesmo tempo, ela sabia que merecia alguém muito melhor.